Percussão Corporal na Educação Musical Infantil: O Corpo Como Instrumento
O corpo humano é um objeto sonoro ancestral e pode ser considerado um instrumento musical, capaz de produzir diferentes timbres, alturas e ritmos. A percussão corporal, técnica de produzir sons com o corpo, é um recurso potencial no processo de musicalização de crianças.
Neste artigo, exploramos a percussão corporal como um recurso potente na musicalização infantil, com base em pesquisas e nas propostas do grupo Barbatuques e de outros pensadores da educação musical.
Por que o Corpo é um Recurso Musical Tão Poderoso?
O corpo humano é um dos objetos sonoros mais antigos que o homem utiliza como meio de comunicação. Sons como assobiar, bater palma e estalar de dedos estão ligados ao nosso cotidiano. A percussão corporal é uma abordagem que ajuda a ampliar a compreensão do ensino de música, utilizando atividades diversificadas e enriquecedoras. Ela desenvolve a criação, a curiosidade e a sensibilidade auditiva.
Segundo uma pesquisa realizada com crianças de quatro e cinco anos em uma escola particular de Educação Infantil, a percussão corporal mostrou-se um meio eficaz de ensino. A pesquisa da educadora Mariana Gomes Maziero utilizou atividades adaptadas das oficinas do grupo Barbatuques para demonstrar como o corpo pode ser um instrumento musical. O músico e educador Renato Epstein, integrante do grupo Barbatuques, afirma que a percussão corporal é um recurso “gigantesco”, pois são sons que já nascemos fazendo e que formam o primeiro contexto sonoro e musical da criança. Para ele, é essencial que a criança descubra que o corpo é uma fonte sonora maravilhosa e que a compreensão das primeiras propriedades do som passa pelo corpo.
Fundamentos Teóricos da Percussão Corporal
O uso do corpo como instrumento na educação musical tem sido abordado por diversos pensadores a partir do século XX. Educadores musicais como Émile Jaques-Dalcroze, Zoltán Kodály e Carl Orff utilizaram o corpo em suas pesquisas e metodologias.
Dalcroze, considerado um dos pioneiros dos “métodos ativos”, propõe que o corpo seja transformado em instrumento para que se compreenda os elementos musicais.
Kodály traz a percussão corporal como parte do processo de alfabetização musical.
Orff integra linguagens em que o corpo está presente, desenvolvendo a musicalidade e a improvisação do aluno.
O uso da percussão corporal como prática pedagógica na musicalização é algo que deve ser explorado. O canadense Murray Schafer e o brasileiro José Eduardo Gramani também são referências que exploram a paisagem sonora e o ritmo. Essa base teórica mostra que a percussão corporal tem um lugar consolidado na história da educação musical.
Atividades Práticas para Aplicar em Sala de Aula (Adaptadas do Grupo Barbatuques)
O grupo paulistano Barbatuques utiliza o corpo como instrumento musical e possui um amplo material pedagógico. Suas oficinas servem de base para a adaptação de jogos e técnicas de percussão corporal na musicalização infantil. Flávia Maia, ex-integrante do grupo, reforça que a dimensão lúdica é importante para as atividades com crianças, pois “se não tiver, fica chato”.
Aqui estão algumas das atividades que podem ser adaptadas para a Educação Infantil:
1. Jogo da Flecha
Este exercício é um jogo de comunicação não verbal feito em roda. Uma pessoa bate uma palma e a “envia” para outro integrante com o olhar, como se estivesse mirando uma flecha. Ele promove o olhar para os colegas e a sensação de pertencimento ao grupo. A palma pode ser substituída por outros timbres.
2. Ecos
É um jogo baseado na imitação. Uma criança cria um som e o grupo o reproduz fielmente. Essa atividade desenvolve técnica, criação e reprodução. Pode-se criar um ambiente sonoro, como um castelo mal-assombrado, ou definir quais tipos de sons podem ser produzidos.
3. Paisagem Sonora
A proposta é explorar, com sons do corpo e da voz, sonoridades que imitam ambientes como uma floresta, feira-livre ou o fundo do mar. Essa atividade estimula a criatividade e a audição, podendo ser usada para criar uma história coletiva.
4. Refrão-Improviso
É proposto um ritmo ou canção para ser executado em uníssono como um refrão. Durante uma pausa, um integrante da roda cria um som para improvisar, e depois todos voltam ao ritmo original. Essa atividade desenvolve a criação, a técnica e a repetição de um ritmo.
Explorar e Brincar para Aprender
A percussão corporal é um instrumento rico, mas com algumas limitações, como a referência harmônica. No entanto, na Educação Infantil, essa ainda não é uma meta. O mais importante é que a percussão corporal, quando utilizada de forma lúdica, é um mecanismo potencial para o entendimento dos princípios musicais.
Ao optar por essa abordagem, o professor não a utiliza somente pela falta de recursos, mas pelo potencial de ensino. A percussão corporal permite que o professor e os alunos explorem, criem e desenvolvam jogos, além de promover a individualidade (cada som é único) e a coletividade (trabalho em grupo).
Referências Bibliográficas:
BRITO, T. A. de. Música na Educação Infantil. Propostas para a formação integral da criança. São Paulo: Peirópolis, 2003.
MAZIERO, M. G. Percussão corporal e crianças pequenas: possibilidades musicais na educação infantil. Olhares & Trilhas, Uberlândia, v. 22, n. 1, p. 61-76, jan./abr. 2020.
SME Goiânia. Arte/Música – Percussão corporal. Conexão Escola, 2020.
SIMÃO, J. P. Música corporal e o corpo do som: um estudo dos processos de ensino da percussão corporal do Barbatuques. Dissertação de Mestrado. Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Educação, Campinas, 2013.
VIANA, G. D.; REBOUÇAS, J. C. A percussão corporal como prática pedagógica para musicalização na educação infantil. Anais do Encontro Regional Sudeste da ABEM, v. 5, p. 1-10, 2019.